Respire fundo


Paro de respirar por alguns segundos e troco a velha máscara que me mantém vivo. A anterior já tinha quase um ano e tive que comprar uma nova; me custou praticamente o salário do mês. Há dois meses meu vizinho de baixo faleceu por não ter dinheiro para trocar a sua. Foi a maior confusão. Os parentes não tinham dinheiro para colocar o corpo debaixo da terra. Um primo do falecido se prontificou a transportar o corpo, cavar o buraco e colocá-lo dentro, mas a proprietária da terra onde esses gentis rapazes sem vida costumam ir, não negocia com ninguém; dinheiro na mão ou então o defunto terá que ser despachado para outro canto. Alguns desafortunados são atirados ao mar e passam a eternidade filosofando com as tartarugas marinhas. Não sei exatamente como chegamos à essa situação, mas alguns dizem que foram as grandes empresas que fizeram isso com ar para que estas coexistam eternamente. Os tubos de oxigênio foram os últimos itens da lista maquiavélica; a lista que diz que tudo deve ser pago, com dinheiro, com trabalho ou com sangue. Tais empresas já nos obrigava a pagar por itens essenciais como água e comida há séculos, mas dizem que o ar era gratuito. Gratuidade essa que hoje não existe; ele está poluído para chuchu. Afirmo categoricamente que as coisas estão poluídas para chuchu. Não sei se é o ar ou o solo, mas o vegetal não cresce nas cercas há décadas. Mal conseguimos enxergar o sol, o dia parece esfumaçado na maioria das vezes, é necessário colocar um óculos ridículo antes de sairmos de casa para que nossas retinas não fritem como batata na frigideira.  Tentamos falar sem parecer um robô, pois a máscara é enorme e nossa boca fica totalmente oculta. Para comer é a pior parte, quando se tem o que comer é claro. Para dormir incomoda muito e quando eu acordo sinto que há várias marcas causadas, mas não consigo vê-las. O tubo de ar puro há de ser carregado para todo canto, e tomo banho com ele na costas, já que não posso parar de respirar nessa ocasião. Estive pensando uma coisa, que parece boba. Eu não me importaria em pagar por tudo isso, sério, não me importaria, pagaria com prazer pela água que bebo, pelas plantas transgênicas que como, pelas roupas de algodão que visto, para ver o mar, para pisar na grama ou na calçada e também para respirar, mas não tenho dinheiro e nada me garante que um dia terei. Mas o que mais me aflige é uma frase incansavelmente repetida por aí: Todas as ideologias estão mortas.

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Liberdade


O que é liberdade? Será que isso, de fato, existe? Quando nascemos, aprendemos a falar uma língua, vamos à escola aprender o que pessoas mais velhas têm a nos ensinar, comemos o que não gostamos porque dizem que é saudável e a medida que crescemos passamos a fazer mais coisas e cada vez menos entendemos o porquê de estarmos fazendo aquilo. Um simples acidente geográfico te faz falar português e não inglês, gostar de tomar chá e não café; te faz saber muito ou pouco sobre determinado assunto e ainda te faz a passar todos os dias fazendo "A" em vez do fato "B". Mas será que esse acidente geográfico, chamado nascimento, é o único fator que influência no que vamos escolher? Em primeiro lugar é preciso dizer que o próprio nascimento é por si só restritivo; não escolhemos onde vamos nascer. A partir desse momento há a ilusão de que podemos escolher algo, o que não é verdade. Ninguém escolhe qual língua vai falar já que aprendemos por repetição nessa fase da vida. Ninguém escolhe se vai ser rico ou pobre, já que o fator nascimento é o primeiro que diz isso ao individuo e depois a sociedade ditará regras que o levarão a ter muito ou pouco dinheiro. Alguns dirão que neste caso a pessoa terá escolha, pois se muito se esforçar obviamente conseguirá algo que a maioria não possui; mas isso não significa ainda liberdade. Se algo depende de sua capacidade e não escolhemos se teremos muita ou pouca capacidade, isso também reforça que não temos controle sobre isso. Dentro da sociedade a liberdade é nitidamente roubada das pessoas por pessoas com maiores poderes e com poder econômico maior. Não só por isso, as próprias relações que teremos que enfrentar todos os dias nos impedem de agir como gostaríamos e nos privam de fazer praticamente tudo o que gostaríamos. Enfim, então temos a escolha de sair da sociedade e morar sozinho no meio da selva certo? Temos claro, mas ainda não seremos livres. Como não? Se não há pessoas que possam te restringir de fazer algo, há outras coisas que podem. Na selva, a força da natureza ditará as regras e você será um mero escravo para permanecer vivo. Neste caso as restrições serão tantas que o indivíduo sentirá saudade da vida em conjunto. No fim, ainda haverá um último argumento: Avançar surrealmente a tecnologia a ponto de um ser humano conseguir morar sozinho num planeta e não se preocupar com predadores, fome, dominação, etc. Nesse caso, se ainda desprezarmos que na solidão também há falta de liberdade, não podemos considerar o solitário dono do planeta um indivíduo livre, pois este estará sujeito as leis físicas do universo. No fim, os argumentos vão se esgotando e nos perguntamos novamente quando seremos livres? E a única resposta plausível para tal questão é: Seremos livres quando não existirmos mais.

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